quarta-feira, 4 de julho de 2007

Entrevista

ENTREVISTA COM ISABEL MONTEIRO e MARCELA de NAVASCUÉS
Práticas Criativas – Arte e Desporto
Modelo do desporto nas artes plásticas


Catarina Machado: Ao desenvolver o trabalho sobre o dualismo arte e desporto, notei a semelhança de alguns conceitos nas duas actividades criativas, como: a intuição, a memória, o treino, a técnica, a imaginação e estética. No vosso percurso artístico apresentaram várias obras inspiradas no desporto, nomeadamente o surf. De que forma estas actividades desportivas influenciaram o vosso trabalho?

Isabel Monteiro: O “objecto” ou modelo exterior que é apropriado para a prática pictórica, seja ele qual for, implica nessa transferência de campos, neste caso de uma prática desportiva para o acto de pintar ou transformar em imagem, uma revisitação em termos sinetésicos e cognitivos da experiência real inerente ao modelo. Quando esse modelo matricial da prática artística é uma prática por nós experienciada a partir do seu interior, esse conhecimento privilegiado potencializa a força dessa contaminação, tanto motriz, como emocional.
Como tal, acabamos por activar mecanismos emocionais muito próximos na prática do objecto e do modelo, sendo este um factor, no meu caso, que duplica o prazer de pintar, uma vez que revivo uma actividade que me agrada especialmente.

Marcela de Navascués: Uma parte do meu trabalho, baseia-se na linguagem corporal e de movimentos... que visam a comunicação. O desporto entra assim, pela narrativa e estética do movimento. Na série de obras sobre ginástica, prestei uma homenagem ao meu avô materno porque foi defensor e praticante de desporto. Procurei assim transmitir nas minhas obras, esta imagem marcante da minha infância... Por outro lado, apropriei-me de outros temas singulares que apliquei noutras séries, sempre com os Básicos - pequenas esculturas que interpretam as minhas narrativas - desde voarem no espaço sem gravidade, em liberdade plena, como na água... e paraquedistas também me inspiraram, na queda livre! Na série Husmeadores do Espaço tem muito de ti Catarina, que me conduziste para o surf e por isso, mais um desporto que iniciei e fonte de inspiração.
Penso que o desporto é o culminar de inteligência e movimento e, quando se alcança o objectivo, sentimo-nos recompensados.


C.M.: Existe um percurso artístico e um percurso desportivo. O que levará um artista e um atleta, a partir de referências socialmente adquiridas, a tornarem-se originais e reconhecidos, no desempenho das suas actividades?

I.M.:
A “marca” autoral é uma fatalidade inerente a toda a actividade cultural. Seja uma prática que viva da expressão corporal, seja uma prática construtora de objectos (quer concebidos intelectualmente, ou “artesanalmente”), a marca individual permanece sempre, mesmo quando se intenta ocultá-la.
Esta marca será sempre produto uma relação dialéctica entre o indivíduo e as condições sociais que o envolvem. Indivíduos que experienciem condições semelhantes, manifestarão “marcas” individuais mais próximas, podendo em termos colectivos agrupá-los e encaixá-los em tipologias ou estilos.

M.N.: O ser humano como ser irrepetível deve procurar a originalidade e singularidade no seu interior, embora considere, que o trabalho diário e contínuo, é uma das chaves para alcançar esse objectivo. O esforço físico e intelectual, assim como, acreditar em si próprio, é fundamental para se dar o seu melhor.


C.M.: Acreditas que existe um dom e talentos inatos, que são posteriormente trabalhados?

I.M.: Sem dúvida que há condições genéticas que predispõem os indivíduos a relacionarem-se de forma mais eficaz com determinadas áreas de actividade. No entanto, estas capacidades inatas, terão que encontrar condições ao longo da vida, que lhes permitam desenvolverem-se com regularidade e segundo uma orientação correcta. Se estas condições não existirem, uma capacidade inata dificilmente se desenvolverá no sentido de uma prestação acima da média.

M.N.: Não sei quem nos dá o dom, se a Mãe Natureza, se Deus, ou os nossos genes…só sei que o possuímos de maneira inata, e somos nós que o devemos descobrir e aproveitar.


C.M.: Existe assim uma superação, um leque de possibilidades olhando ao passado artístico e desportivo. Continuam, contudo, a existir estilos. A singularidade dos indivíduos é uma realidade. Reconhece-se a obra de um artista pela “linguagem “ que transmite. Assim como se reconhece, no surf o Kelly Slater, no golfe, o swing de Tiger Woods, sem o ver, ou o serviço de Maria Sharapova, no ténis. Diremos que existe uma ambivalência de estilos na arte e desporto. Concordam que para se atingir esta meta de reconhecimento é fruto de trabalho e longo esforço, (sangue, suor e lágrimas...) do artista e do desportista?

I.M.: Regressa-se à questão das qualidades inatas, cujo desenvolvimento depende de uma grande disciplina, que passa sempre pela dedicação e capacidade de sofrimento. Qualquer indivíduo que se queira evidenciar numa actividade específica, terá que canalizar a sua vida e energia para um objecto muito específico. É, portanto, obrigado a prescindir de outras experiências positivas, sendo obrigado de certa forma a reprimir, ou no mínimo, a dosear, a sua tendência hedonista. Só nestas condições poderá, eventualmente, atingir um nível performativo, seja qual for a área, reconhecido e premiado colectivamente.

M.N.: A liberdade alcança-se com disciplina e a disciplina exige esforço, trabalho autocontrol. Um projecto exige 100% de nós, de uma entrega completa. O resultado é o prémio, ao tornar realidade as ideias e partilhá-las com os outros. É uma satisfação que tudo supera, tal como uma Mãe ao parir um filho, a dor transforma-se em maravilha!

C.M.: A vertente física e psíquica, poderão cercear o comportamento do desportista em prova. Há toda uma panóplia de obstáculos que terão que superar numa prova desportiva. Acham que o desportista, ao ser estimulado - pela presença do público que o reconhece - favorecerá a um melhor desempenho? E o artista? O estímulo pelo reconhecimento pela crítica, público e pares, numa exposição, também não lhe farão sentir a responsabilidade de trabalhar cada vez mais e melhor?

I.M.: O estímulo exterior é um catalisador no sentido da auto-superação e na manutenção de uma capacidade de resposta, ao nível das expectativas circundantes.
Conforme a capacidade de cada indivíduo e a forma como lida com este factor, poderá contudo revertê-lo a seu favor, de forma mais ou menos positiva.

M.N.: A insegurança atenua-se, diminui com o reconhecimento do público, que é um factor estimulante para um próximo trabalho e a continuidade do percurso.

C.M.: Acham que um projecto (tanto no desporto como na arte) contem em si mesmo, um objectivo, uma meta, ou um fim, que o indivíduo se propõe realizar?

I.M.: Sempre. Embora esse objectivo varie, quer em termos de qualidade quer de quantidade, entre indivíduos, dependendo dos critérios, das prioridades e ambições de cada sujeito.

M.N.: Eu não o entendo de outra maneira. Uma meta engloba cada ideia, cada instalação, cada exposição... é o culminar de um projecto. A escalada de um artista na arte é infinita, durará o mesmo tempo que o criador.

C.M.: Entendem a arte como competição?

I.M.: Haverá circunstâncias em que o artista será confrontado com esse aspecto da competitividade (concursos, bolsas, etc.). No entanto, a arte é uma prática, em que a competição não é assumida como um objectivo, ou função, pelo menos de uma forma transparente e inequívoca.

M.N.: Uma boa obra de arte, não anula outra boa obra de arte. Pelo contrário, podem mesmo completar-se. No entanto a realidade é distinta e infelizmente acaba por haver competição marcada pelo ritmo do mundo actual. A nossa sociedade é terrivelmente competitiva e é difícil escapar. A arte como negócio, tem que seguir as regras do mercado e o mercado é basicamente competitivo.

C.M.: Concordam então, que poderá existir um paralelismo entre arte e desporto?

I.M.: Sem dúvida, são actividades que implicam uma constância e disciplina muito grandes, quer ao nível de prestação física, como intelectual, emocional e criativa. Embora, em termos de objectivos possam divergir completamente.

M.N.: Há uma relação muito próxima. Acho todavia, que um artista não é o melhor, existem muitos melhores. Quem sabe a arte tem a capacidade de juntar muitos e bons artistas. Na arte não existem corridas, a arte cria um espaço aberto, infinito nas suas possibilidades e tamanho. Aceita todos e todas, na novidade e na qualidade dos trabalhos.

C.M.: Por último, concordam com a importância do sentimento, do afecto, para a realização do objectivo, isto é, o amor ao desporto e o amor à arte?

I.M.: Disciplina e constância referidas na resposta anterior, são fruto e só possíveis, a partir de uma conjunção de sentimentos, entre os quais: o “AMOR” é fundamental na sua manutenção e continuidade.

M.N.: Só através do amor se pode entender o esforço desta escolha. Eu descobri verdadeiramente a minha vocação aos 28 anos, embora até essa altura estivesse sempre ligada a trabalhos criativos. Sempre vivi rodeada pela arte. Os meus pais possuem a galeria de arte contemporânea mais antiga de Madrid (Galeria Edurne), existe há 43 anos. Talvez por isso, saí aos 18 anos, para tentar outros “voos” e questionar a vida. A minha surpresa foi grande, quando descobri a paixão de trabalhar com as mãos. Já o havia feito no restauro de móveis. Houve um fio condutor que me ligou, por fim, às instalações que contam as diferentes perspectivas da vida.
De qualquer maneira, o amor está em tudo. Viver da arte, viver na arte, sentir a arte, é toda a filosofia de uma existência baseada no amor e dedicação... Prova-o a herança artística legada às gerações futuras, por grandes e talentosos criadores!

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