quarta-feira, 4 de julho de 2007

Recensão

Teoria da Inteligência Criadora de José António Marina, Editorial Caminho, 1995

No livro de José António Marina, intitulado Teoria da Inteligência Criadora, o autor procurou a fusão interdisciplinar das ciências cognitivas: a psicolinguística, a psicologia cognitiva, a inteligência artificial, a neurologia, e a filosofia. Assim pretende dar uma resposta a questões ligadas à arte, e também, à compreensão dos mecanismos relacionados com a inteligência, nas diferentes vertentes do processo criativo.

José António Marina começa por analisar o olhar, pois tem uma importância que imprime inteligência ao conhecimento socialmente adquirido e, que, pela profundidade, poderá orientar projectos em cada actividade. A meta que se pretende atingir estará assim direccionada pela informação que o olhar transmite, à razão ou inteligência. A criatividade está, pois, implícita no olhar, quando existe procura, a fim de concretizar um projecto. O mundo sensível está “ao serviço” do inteligível. Os dois interagem na busca de uma solução, de uma estratégia, para a resolução de uma proposta pré definida ou a definir. Os cinco sentidos tomam, pois, parte activa na acção. O apuro de um criador, estará na facilidade com que capta com o olhar. Van Gogh disse ao seu irmão: Acha belo tudo o que puderes; a maioria não acha suficientemente belo. A percepção irá identificar o que se pretende isolar entre todas as possibilidades, ao facultar informação e unirá o objecto ao sujeito criativo. Dufrenne defende a noção de que a percepção é a pátria de toda a verdade
[1].

O ser humano autodetermina-se, uma vez que a actividade mental e física o orientam, nesse sentido. Um atleta esforça-se, ao trabalhar a musculação. O seu percurso desportivo vai avaliando o desempenho, e corrige a técnica pelo treino, a fim de realizar o projecto a que se propõe. A estrutura básica da criatividade integra-se no projecto de construção da personalidade atlética, tal como o artista plástico estrutura a sua personalidade criativa na pintura. O olhar, permite aprendizagem e o cálculo, assim como as referências adquiridas, até que atleta e artista se afirmem, ao criarem uma linguagem própria e inovadora, permitido pela liberdade. O “état chantant”, segundo Valery, é a clareza de consciência e a nitidez de possibilidades que induzirão o ritmo e a energia. A sensibilidade conduz a criatividade... um conceituado jogador de golfe, Jack Nicklaus, afirmou: Sentir o peso da cabeça do taco contra a tensão do cabo ajuda-me a balançar com ritmo. À medida que progride o balanço para trás, agrada-me sentir o peso do taco puxando as minhas mãos e os meus braços para trás e para cima. Ao iniciar o movimento para a frente, agrada-me sentir o peso da cabeça do taco atravessando-se resistindo, enquanto as minhas pernas e quadris, que já seguem o impulso, arrastam as mãos e os braços para baixo. Quando experimento estes sentimentos, quase de certeza que estou a rodar com o timing adequado. Estou a dar-me o tempo suficiente para fazer todos os movimentos necessários, na sequência rítmica [2].
Há, assim, todo um processo físico e psíquico que, no desportista, poderá cercear o seu comportamento em prova. A inteligência, contudo, actuará, ao gerir a energia enquanto se desenrola a acção! O comportamento seguirá, assim, o primado do pensamento racional, sobrevalorizado. A persuasão influencia a capacidade de sedução e de animação. O estímulo, é fulcral na possibilidade de resposta a um determinado desafio, quer seja arte, ou desporto. Um ser, quando estimulado, desperta nele sinergias, desconhecidas até então... Na arte e no desporto, é fundamental para o atleta e para o artista, o reconhecimento pela crítica e a valorização pelo público. É a recompensa de um percurso de muito trabalho, sofrimento e esforço, de muitas obras realizadas; do treino; de concursos; de exposições - tal como o nome indica - é expor o sujeito criativo a um juízo de valor.

Por conseguinte, os momentos que antecedem a inauguração de uma exposição, para qualquer artista são momentos de grande ansiedade e tensão… a suscitação, o controlo e a capacidade de ingerência nos acontecimentos, é sinal que a inteligência humana se transfigura, pela liberdade, na escolha de possibilidades. A inteligência, questiona mais do que responde. A reorganização do operativo mental está, segundo José António Marina, coadjuvante a um projecto: embarcada em projectos rotineiros, converte-se em inteligência rotineira; lançada em projectos artísticos, faz-se inteligência artística; empenhada em projectos racionais, converte-se em razão [3]. A análise da inteligência remete ao movimento corporal, a que corresponde a actividade física e mental. Mais uma vez a liberdade está implícita num projecto. Dos projectos dependerão a textura da inteligência e o contexto do mundo do artista e do atleta: a liberdade criativa permite a condução de projectos de acordo com a inteligência de cada um. Ao projecto estão indissociáveis três postulados: inteligência humana, liberdade e criação.


[1] DUFRENNE, Mikel - L’oeil et l’oreille, Ed Jean Michel Place, Paris, 1991.
[2] NICKLAUS, Jack - Golf my way, New York que, Simon and Schuster, 1974
[3] MARINA, José António - Teoria da Inteligência Criadora, Lisboa, Editorial Caminho, 1995

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